domingo, 15 de maio de 2011

O retirante nordestino semi-analfabeto que virou milionário e fatura R$ 40 milhões ao ano.


RIO - Quando veio para o Rio, em 1988, com 15 anos, o cearense Raimundo Costa tinha três planos: trabalhar numa churrascaria, onde poderia comer sem pagar, comprar roupas e uma bicicleta. Ele também sonhava em juntar dinheiro e voltar para Tamboril, sua cidade natal, de 25 mil habitantes, no semiárido nordestino. Nestes 23 anos de Rio, Raimundo retornou várias vezes à cidade cearense - mas a lazer e pilotando seu próprio avião. A vontade de ter uma bicicleta ficou num passado remoto. Agora ele circula num Porsche branco. Do seu currículo constam 16 empreendimentos no Rio, quase todos restaurantes a quilo, entre eles a rede Frontera, cujo faturamento deve chegar a R$ 40 milhões este ano. Raimundo trabalha agora para transformar o Frontera numa espécie de Outback do quilo no Brasil, a primeira rede do tipo no mundo. Em cinco anos, já são cinco casas na Zona Sul e na Barra da Tijuca. Ainda este ano, mais duas serão abertas. Com o negócio, ele aliou o gosto popular à alta gastronomia, sem deixar de lado o custo-benefício, alma do sucesso desse empresário de 38 anos, que migrou, assim como nove dos seus dez irmãos, da zona rural de Tamboril para trabalhar nos restaurantes do Rio.
Trazido por um irmão mais velho, ele foi direto para a Gaúcha, tradicional churrascaria de Laranjeiras. Começou como contínuo e chegou a gerente da filial da Tijuca, que depois ele comprou. Seu primeiro negócio, no entanto, foi no Méier, o Boi Bão, já passado adiante. Aos poucos, Raimundo foi sofisticando o segmento que ajudou a popularizar, especialmente com a rede Kilograma, da qual se desfez também.
Apesar das cifras e da trajetória de sucesso, ele nega o título de "rei do quilo". E, se for para ser rei, que seja do bufê ou do food service, e não do quilo, palavra que agora rejeita. Tanto que criou uma forma de o cliente pesar seu prato sem que a balança esteja aparente e o peso à vista de todos.
- Meu negócio não é mais quilo. Nem gosto de monarquia - diz, a respeito do título de "rei". - Fico sem graça.
O empresário, morador da Barra, casado com uma prima do Ceará, Renata, e pai de quatro filhos, entre 10 meses e 10 anos de idade, é capaz de ficar horas falando sobre as metas de suas empresas. Depois de vender o Kilograma, ele pretende se concentrar na expansão do Frontera - que ganhará uma casa na Cidade Nova e outra no Catete, no lugar do Estação República, também de sua propriedade - e na criação de uma rede de brasseries. Será sua estreia no sistema à la carte e num modelo mais requintado. A primeira será na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Outro investimento do empresário é a boate Nossa Sem Hora, em Copacabana.
- Ele é um cara bacana. Está sempre falando de negócios. A gente não sai porque ele trabalha muito, sempre à noite. Nós nos encontramos quando ele vem ao restaurante - conta o amigo Henrique Moreira, primeiro maître do Gero e cuja família é do Ceará.
Os amigos de Raimundo são, na sua maioria, cearenses, "que têm a mesma linguagem" que a sua e trajetórias semelhantes. Ele fala com naturalidade sobre momentos difíceis do passado e lembra que, em períodos de seca, passou fome com a família no Ceará. Por isso, a vontade de trabalhar numa churrascaria:
- Por que cearense vem para trabaçhar em restaurante? Ele vem porque quer comida. Você trabalha e se alimenta no mesmo lugar. No dia da folga, eu trabalhava para ganhar extra e comer sem pagar.
Denervaldo Ribeiro de Farias, dono da churrascaria Gaúcha e antigo patrão de Raimundo, lembra o ex-funcionário.
- A Gaúcha era uma escola. E ele (Raimundo) tinha uma visão comercial muito grande - diz.
Na pequena Tamboril, Raimundo é recebido como um rei. Um vídeo no YouTube mostra um grupo aplaudindo enquanto ele faz um pouso na pista de sua propriedade, a Fazenda Flores, onde moram hoje os pais. Lá, ele, parentes e amigos se divertem dirigindo quadriciclos e pilotando jet-skis num açude construído pelo empresário.
- Máquinas, motores e velocidade são o meu hobby - revela Raimundo, que vendeu recentemente um avião Seneca PA-34 para comprar um turbo-hélice, que pode custar mais de US$ 2,5 milhões.
Todas as metas para os próximos anos fazem parte de um minucioso plano de negócios. Em 2014, Raimundo pretende chegar a 21 Fronteras na Região Sudeste e a um faturamento de R$ 172 milhões ao ano. O restaurante segue um padrão de inspiração americana, com mesas típicas de casas do interior dos Estados Unidos, e cozinha globalizada. A decoração também tem referências de outros países e do passado, como caixas de Maizena e pôsteres antigos. A aviação é tema recorrente nas paredes. Ele quer colocar uma aeronave no meio do restaurante do Catete. A ideia é que todos os Fronteras sigam esse padrão, reproduzindo a gastronomia.
Todo o conceito foi concebido pelo próprio Raimundo:

- Eu pedi ao escritório de design que a decoração fosse americana. No início, eles diziam que não poderiam sofisticar um restaurante que trabalha com bufê. As pessoas dão mais valor ao que é importado.
A rede tem hoje com 500 funcionários e 650 receitas - em sistema de bufê e rodízio -, que vão da feijoada ao pato confit, prato típico francês, passando pela pizza de rapadura. Esta foi uma invenção do chef holandês Mark Kwaks, que agora tenta elaborar uma sobremesa para virar ícone da casa. Nesse ponto, Raimundo prefere confiar em Mark. Em todos esses anos no ramo, o paladar do empresário mudou pouco.
- Ele não sabe comer, só gosta de arroz branco, tomate, palmito, picanha e farofa de ovo - brinca o chef e amigo.
Workaholic, Raimundo passou quatro meses fora do ar, em 2009, por causa de estresse e depressão. Deixou os negócios aos cuidados de sócios e parentes. Nesse período, a Light encontrou um "gato" no antigo Kilograma de Copacabana, hoje Frontera, e na boate Nossa Sem Hora. A má fase foi curada com remédios e uma temporada em Tamboril. As escapadas para o Ceará são uma forma de relaxar.
Com a ajuda da tecnologia, ele dá conta de tudo, mesmo sem estar presente. Um dos vícios é o iPad. Embora diga que não tem inimigos, um irmão mais novo, Iran Guerreiro, é seu calcanhar de aquiles. Iran, depois de trabalhar com Raimundo, abriu seus próprios restaurantes, chamados Fagulha, que seguem o mesmo estilo adotado no Frontera. Raimundo fica visivelmente incomodado com a situação:
- A minha relação com ele é sempre boa. A dele comigo é que é ruim. Ele entrou numa de competição - diz o irmão sobre Iran, que não quis falar sobre Raimundo.

O empresário diz que não gosta de ostentar e se recusa a ser chamado de novo-rico. Ele não cursou universidade, mas tem um discurso afinado com a linguagem dos negócios e do marketing:
- Gosto mais da vitória do que do dinheiro. Ser rico é ter liquidez. Hoje eu prefiro não ter dinheiro, mas um produto com o qual eu possa ganhar dinheiro e crescer com.

Fonte: O Globo.

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